26/10/2010

Que noite!

Tinha tudo para ser uma noite tranquila. Foi para cama por volta das dez da noite. Queria dormir no mínimo umas oito horas ininterruptas. Os últimos dias foram cansativos e nada melhor do que o sono para recuperar a voz.

Não se importava com o barulho da avenida, com os gritos ardidos dos adolescentes maritacas. Nem com a pregação em altos decibéis dos evangélicos na esquina. Nada disso ia ser capaz de demôve-lo do seu desejo de chafurdar-se nos lençóis macios do sono bom.

Antes, porém, para se certificar que tudo ia dar certo foi até a cozinha e preparou um suco de maracujá. Entre a cozinha e o quarto parou na sala para observar os seus livros nas estantes. Notou que a sua plantinha estava seca. Deu a ela uma caneca grande de água e ainda a desejou uma noite benfazeja.

De volta ao quarto notou que a mulher roncava profundamente, parecia até uma britadeira dessas com as quais os homens da Sabesp furam o chão para resolver os vazamentos de água pela cidade. Não se incomodou com isso, sabia muito bem que mulheres roncam. É da natureza humana.

Passou pela mulher e foi direto ao banheiro para escovar os dentes. Olhou-se no espelho satisfeito e resolveu render-se, enfim, aos encantos de Hipnos. Deitou-se no macio da Cama Box, respirou profundamente enquanto ouvia os últimos ônibus passando fazendo tremer o chão.

Mas uma música pequena, estridente, inesperada e interminável começou a ser executada nos seus ouvidos. Com a música sentiu umas picadas ardidas. Começou a batalha. Acendeu a luz, a mulher nem o notou. Dormia feito uma pedra, uma pedra que ronca. Tentou matar aqueles pernilongos, molhou a toalha amarela e jogou-a contra esses desafinados tocadores de violinos. Alguns ele conseguiu matar. Achou que tinha exterminado até a última geração dos pernilongos.

Fez-se silêncio novamente. Apagou a luz e retornou ao macio da Cama Box. A mulher - encolhidinha feito um rocambolé de carne moída pelo dia cheio na Firma - continuava desmaiada em sua sinfonia de roncos: ora breves, ora profundos.

De olhos fechados e ouvidos atentos o cara permaneceu em alerta. Já-já ele ia dormir, afinal tomou um copão de suco de maracujá. Não seriam uns insetos mequetrefes que lhe tirariam o prazer de uma noite bem dormida. De jeito nenhum.

Acontece que pernilongos são bichos chatos. Camuflam-se nas caixas que ficam em cima do guarda-roupa, debaixo da cama, no teto, atrás da toalha, no chão e quando você pensa que a fatura está liquidada vem aquele inseperado ataque.

O cara cobriu a cabeça, os insetos lhe picaram os pés, quando ele cobriu os pés sobrou picadas nos braços, na testa, na orelha. Por um momento chegou a pensar no rocambolé que roncava ao seu lado e concluiu que o ronco podia ser um ótimo antídoto contra esses insetos impertinentes, esses inimigos públicos número 1 do sono.

Incrível, sua mulher permanecia intacta e ilesa ao bombardeio das tropas sanguinárias desses tocadores de violinos esfomeados. Incrível, o relógio já se aproximava das quatro da manhã e ele ainda não tinha conseguido pregar os olhos.

Chegou à conclusão que o suco de maracujá fora inútil, que o macio da Cama Box de nada o ajudou, que a toalha amarela molhada não o livrou do exército dos desafinados pernilongos sanguinários, tocadores de violino.

Sentado na beirada da cama, estava inconsolável: “Como é que pode uns insetinhos desses acabar com a gente?” Disse isso quando um pernilongo gordão e enfastiado passou bem rente aos seus olhos. Ele não teve dúvida, com as duas mãos deu um telefone esmagando o inseto.

Sentiu-se vingado e finalmente pode
chafurdar-se nos lençóis macios do sono bom.


...

Nenhum comentário: