Tinha tudo para ser uma noite tranquila. Foi para cama por volta das dez da noite. Queria dormir no mínimo umas oito horas ininterruptas. Os últimos dias foram cansativos e nada melhor do que o sono para recuperar a voz.
Não se importava com o barulho da avenida, com os gritos ardidos dos adolescentes maritacas. Nem com a pregação em altos decibéis dos evangélicos na esquina. Nada disso ia ser capaz de demôve-lo do seu desejo de chafurdar-se nos lençóis macios do sono bom.
Antes, porém, para se certificar que tudo ia dar certo foi até a cozinha e preparou um suco de maracujá. Entre a cozinha e o quarto parou na sala para observar os seus livros nas estantes. Notou que a sua plantinha estava seca. Deu a ela uma caneca grande de água e ainda a desejou uma noite benfazeja.
De volta ao quarto notou que a mulher roncava profundamente, parecia até uma britadeira dessas com as quais os homens da Sabesp furam o chão para resolver os vazamentos de água pela cidade. Não se incomodou com isso, sabia muito bem que mulheres roncam. É da natureza humana.
Passou pela mulher e foi direto ao banheiro para escovar os dentes. Olhou-se no espelho satisfeito e resolveu render-se, enfim, aos encantos de Hipnos. Deitou-se no macio da Cama Box, respirou profundamente enquanto ouvia os últimos ônibus passando fazendo tremer o chão.
Mas uma música pequena, estridente, inesperada e interminável começou a ser executada nos seus ouvidos. Com a música sentiu umas picadas ardidas. Começou a batalha. Acendeu a luz, a mulher nem o notou. Dormia feito uma pedra, uma pedra que ronca. Tentou matar aqueles pernilongos, molhou a toalha amarela e jogou-a contra esses desafinados tocadores de violinos. Alguns ele conseguiu matar. Achou que tinha exterminado até a última geração dos pernilongos.
Fez-se silêncio novamente. Apagou a luz e retornou ao macio da Cama Box. A mulher - encolhidinha feito um rocambolé de carne moída pelo dia cheio na Firma - continuava desmaiada em sua sinfonia de roncos: ora breves, ora profundos.
De olhos fechados e ouvidos atentos o cara permaneceu em alerta. Já-já ele ia dormir, afinal tomou um copão de suco de maracujá. Não seriam uns insetos mequetrefes que lhe tirariam o prazer de uma noite bem dormida. De jeito nenhum.
Acontece que pernilongos são bichos chatos. Camuflam-se nas caixas que ficam em cima do guarda-roupa, debaixo da cama, no teto, atrás da toalha, no chão e quando você pensa que a fatura está liquidada vem aquele inseperado ataque.
O cara cobriu a cabeça, os insetos lhe picaram os pés, quando ele cobriu os pés sobrou picadas nos braços, na testa, na orelha. Por um momento chegou a pensar no rocambolé que roncava ao seu lado e concluiu que o ronco podia ser um ótimo antídoto contra esses insetos impertinentes, esses inimigos públicos número 1 do sono.
Incrível, sua mulher permanecia intacta e ilesa ao bombardeio das tropas sanguinárias desses tocadores de violinos esfomeados. Incrível, o relógio já se aproximava das quatro da manhã e ele ainda não tinha conseguido pregar os olhos.
Chegou à conclusão que o suco de maracujá fora inútil, que o macio da Cama Box de nada o ajudou, que a toalha amarela molhada não o livrou do exército dos desafinados pernilongos sanguinários, tocadores de violino.
Sentado na beirada da cama, estava inconsolável: “Como é que pode uns insetinhos desses acabar com a gente?” Disse isso quando um pernilongo gordão e enfastiado passou bem rente aos seus olhos. Ele não teve dúvida, com as duas mãos deu um telefone esmagando o inseto.
Sentiu-se vingado e finalmente pode chafurdar-se nos lençóis macios do sono bom.
...
26/10/2010
Que noite!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário